Carina Correia

Durante todo o semestre, nas aulas da Unidade Curricular de Sistemas de Formação, Trabalho e Justiça Social foram constantemente abordados os três conceitos que denominam a UC, percebendo que estes estão permanentemente relacionados entre si.

Assim, de forma a consolidar todos os conhecimentos abordados nas aulas, foi proposta a realização de um portefólio de grupo, o qual espelha essa articulação entre os conceitos de base da UC e permitiu seguir uma lógica de trabalho, de acordo com os diferentes temas abordados.

Assim, este portefólio constitui-se enquanto instrumento que permite participar na organização e avaliação das aprendizagens, ou seja, dos percursos de formação, o que pressupõe uma realização em grupo constante, o que no caso do grupo em que estive inserida, se tornou a tarefa mais difícil, já que as duas estudantes de erasmus não estavam tão disponíveis, pelo que poderíamos não tirar tanto proveito das discussões quanto seria de esperar. Contudo, reconheço que faz todo o sentido que o portefólio seja construído em grupo, já que só seria produtivo se ocorresse após as discussões em grupo, que englobassem as perspectivas, ideias e pontos de vista dos diferentes elementos do grupo, podendo constituir-se como preparação para o exercício profissional enquanto mediadores sócio-educativos e da formação, em que teremos de trabalhar com equipas multidisciplinares.

Tendo em conta os três conceitos base que estruturam a Unidade Curricular é importante perceber as relações que os conceitos de formação, trabalho e justiça social têm entre si. Estes além de se articularem também se implicam mutuamente.

Assim, ao longo dos tempos os conceitos de formação, de trabalho e de justiça social sofreram várias alterações, em vários contextos, o que implicou uma noção de mudança.

Começando pelo conceito de formação, esta está presente em a toda a nossa vida pelo facto de estarmos sempre em formação quer a nível académico que a nível profissional ou até mesmo a nível informal. Assim, a formação desenvolve-se ao longo da vida, o que remete para os contextos formais e não formais de formação. Quanto ao primeiro tipo, este está mais patente na escola, que na actualidade é de obrigatoriedade de 12 anos, o que implica um grande investimento neste tipo de educação, porem, esta é tão importante quanto a que ocorre em contextos não formais. O tipo de estrutura apresentada na escola, apesar de estar massificada para a presença de crianças e jovens, também se pode encontrar nos Centros de Novas Oportunidades (medida criada pelo XVII Governos Constitucional), destinado a adultos que não tenham completado o 4.º. 6.º, 9.º ou 12.º anos de escolaridade e que, por isso voltam ao ambiente escolar para completar os seus estudos. No processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC), o indivíduo identifica características previamente adquiridas e a validação consiste num acto formal realizado pela entidade acreditada constituindo-se enquanto momento da atribuição de certificação com equivalência escolar ou profissional. A certificação ocorre quando há a confirmação oficial de competências adquiridas através da formação e/ou experiência e as competências resultam, de acordo com a Comissão Europeia (2004) da combinação de capacidades, conhecimentos, aptidões e atitudes apropriadas a situações específicas, requerendo ‘disposição para’ e o ‘saber como’ aprender.

           As aprendizagens que ocorrem no contexto de trabalho são igualmente importantes para o desenvolvimento da pessoa, uma vez que 

«a aprendizagem no local de trabalho não é uma aprendizagem desprovida de estrutura. Esta não só se adquire num ambiente pedagógico (escola, curso), mas também em circunstâncias reais de trabalho, enquanto ambiente de aprendizagem, cuja estruturação assenta nas características e na estrutura da prática laboral em que a aprendizagem tem lugar» (Onstenk, s/ano:34).

            A formação de natureza profissional, que ocorre nas empresas ou nos estágios de curta duração em centros de formação) «afirma-se como a instância intermédia que permite formar competências adequadas ao processo de modernização do produto» (Alaluf e Stroobants, s/d:47). A formação profissional «é longa (…) [e] não depende exclusivamente da complexidade tecnológica dos contextos onde se exerce a actividade produtiva» Correia (1996:17). Contudo, a aprendizagem no local de trabalho não se deve confundir com formação no local de trabalho, pois esta caracteriza-se por uma estruturação pedagógica, nomeadamente, por objectivos, programas de formação explicitamente formulados, utilização de materiais didácticos e avaliações. A aprendizagem não se circunscreve a uma adaptação às novas exigências do trabalho, mas visa também o aperfeiçoamento e inovação.

Em suma, a formação está presente em todos os momentos da nossa vida, quer enquanto estudantes, trabalhadores e, no contexto mais importante de todos, na própria vida.

Quanto ao conceito de trabalho, «No século XVII assiste-se, com efeito, a uma profunda transformação do trabalho e do seu papel social. Considerado até então como um esforço penoso a evitar, o trabalho passa a ser considerado como uma actividade exaltante que interessava promover e racionalizar» (Correia, 1996:23). Segundo José Alberto Correia (1996:25) há uma articulação entre a forma de organização do trabalho pedagógico com a concepção moderna de trabalho. Esta articulação resulta antes do desenvolvimento de mecanismos de controlo social.

No que se refere ao trabalho como actividade profissional, este é associado a uma remuneração através de um salário, ou seja, há uma troca do trabalho prestado por uma dada quantia monetária. Assim, Correia (1996:34) fala-nos de uma relação salarial, esta é entendida como «o conjunto de condições jurídicas e institucionais que regem o uso do trabalho assalariado bem como a reprodução da existência dos trabalhadores» (Boyer, 1986:18 cit. in Correia, 1996:34).

Assim, os conceitos de formação e trabalho não se podem dissociar. A formação na maioria dos casos implica uma aplicação no campo de trabalho. Apesar disso, segundo AAVV (2006), ainda se verifica uma distância entre o sistema educativo e o mercado de trabalho, pois o sistema de ensino continua a dar privilégio à preparação dos indivíduos para o ingresso no ensino superior. No entanto, «a aposta nos sistemas de ensino tecnológico e profissional veio amenizar esta distância todavia estas ofertas: a) continuam a abranger apenas uma minoria de jovens; b) muitas delas não se deslocam também das lógicas eruditas e tradicionais» (AAVV, 2006:2).

Através desta ideia do autor, é pertinente falar de competências e qualificações. Que segundo o mesmo autor, a juventude portuguesa contemporânea é caracterizada por uma desigualdade tanto ao nível de qualificações escolares ou profissionais e também por uma carência de competências para se adaptar aos novos contextos sociais e tecnológicos. Assim, o conceito de competência é um conceito relacionado com o desempenho de uma pessoa na realização de uma tarefa e também com um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que a pessoa tem que justificam o seu bom desempenho. A qualificação consiste na preparação do indivíduo para um futuro profissional. «O conceito de qualificação, está intimamente ligado ao domínio de um ofício – quer dizer, à combinação de conhecimentos de materiais e processos com a destreza manual dada pela prática, necessária para levar a cabo um processo específico de trabalho» (Baverman cit. in Correia, 1996:18).

Importa referir, em relação a esta temática, a dificuldade de inserção profissional por parte dos jovens, já que a passagem da formação universitária para o mercado de emprego se transformou num problema da nossa sociedade. Não está colocada em causa a “perda da eficácia” da formação universitária na obtenção dos melhores empregos, pois, como defende Alves, “é verdade que a situação se deteriorou, mas os licenciados continuam ainda a constituir um grupo privilegiado no mercado de trabalho” (idem: 2 91).

        Actualmente, o investimento para o mercado de trabalho é feito desde os 6 até aos 25 anos de idade, ou seja, desde a entrada no ensino obrigatório até ao momento em que se começa a travar o processo de rentabilização. Esta é uma perspectiva actual, pois «a modernidade implicou, primeiramente, a passagem de uma sociedade baseada na agricultura para uma centrada na indústria e, posteriormente, para uma sociedade em que os serviços adquirem uma cada vez maior importância. Tudo isto tem implicado diversas e profundas alterações ao nível do mercado de trabalho, dos perfis profissionais e qualificacionais e do tipo de emprego, o que tem sido assinalado em diversos estudos» (AAVV, 2006:13)

Assim, a inserção profissional diz respeito à entrada dos jovens na vida activa, ou seja, é um processo segundo o qual um indivíduo ou grupo de indivíduos que nunca pertenceu à população activa deseja uma posição estabilizada no sistema de emprego. Contudo, a inserção profissional não se pode dissociar da inserção social, o que significa que é um processo socioprofissional. A partir dos anos 70, a inserção deixou de ser considerada como um momento de transição entre o sistema de ensino/formação e o sistema de trabalho/emprego, para ser entendida como um processo emaranhado, em grande parte devido às questões do emprego/desemprego. Desta forma, o conceito de inserção é uma concepção que caracteriza a adopção de novas práticas de acção social. Para o indivíduo, a inserção profissional representa não só um processo em que este desenvolve uma identidade profissional, mas também um período de transformação pessoal de mutação da sua própria identidade, uma vez que o indivíduo, além de entrar no mercado de trabalho entra também num mercado de cidadania onde se jogam diferentes valores, interesses, etc.

A existência destas desigualdades qualificacionais dá origem a uma divisão entre os trajectos e oportunidades dos jovens, já que uma parte dos jovens adquire diplomas e competências que permitem lidar com as transformações da sociedade e, outros carecem de competências para se adaptar às novas exigências.

Como uma possível solução, os programas sociais de apoio «(…) são, por um lado, claramente insuficientes perante o universo de constrangimentos que sofrem os jovens portugueses e, por outro lado, parecem algo desarticulados, burocratizados e desajustados das realidades sociais que os jovens vivem» (AAVV, 2006:21).

Quanto ao conceito de justiça social, este aparece ligado à globalização. Assim, segundo Fraser (2003: 2) «a globalização é a politização generalizada da cultura, especialmente nas lutas pela identidade e diferença − ou (…) as lutas pelo reconhecimento − que explodiram nos últimos anos».

A justiça social relaciona-se com os direitos inerentes a cada cidadão, quer na luta pela sua identidade como na luta pela diferença, o que esta directamente relacionado com a ideia de globalização De uma forma geral, a globalização está a produzir uma nova forma de reivindicação política, ou seja, há uma passagem da redistribuição para o reconhecimento, isto porque «por um lado, a viragem para o reconhecimento representa um alargamento da contestação política e um novo entendimento da justiça social. Já não restrita ao eixo da classe, a contestação abarca agora outros eixos de subordinação, incluindo a diferença sexual, a "raça", a etnicidade, a sexualidade, a religião e a nacionalidade. (…) Para além disso, a justiça social já não se cinge só a questões de distribuição, abrangendo agora também questões de representação, identidade e diferença (…). Por outro lado, não é absolutamente nada evidente que as actuais lutas pelo reconhecimento estejam a contribuir para complementar e aprofundar as lutas pela redistribuição igualitária. Antes pelo contrário: no contexto de um neoliberalismo em ascensão, podem estar a contribuir para deslocar as últimas» (Fraser, 2003: 2-3). Assim, do ponto de vista distributivo, a injustiça social surge enquanto desigualdades semelhantes às da classe, baseadas na estrutura económica da sociedade, que engloba aspectos como a desigualdade de rendimentos, a exploração, a privação e a marginalização ou exclusão dos mercados de trabalho. Uma possível solução passaria por uma redistribuição abrangendo a transferência de rendimentos, a reorganização da divisão do trabalho, a transformação da estrutura da posse da propriedade e a democratização dos processos através dos quais se tomam decisões relativas ao investimento. Já do ponto de vista do reconhecimento, a injustiça surge enquanto subordinação de estatuto, assente nas hierarquias institucionalizadas de valor cultura, em que a solução passaria pelo reconhecimento e valorização da diversidade. Desta perspectiva torna-se desnecessário optar entre uma política de reconhecimento e uma política de redistribuição, impondo-se uma política que abarque os dois aspectos.

As sucessivas alterações que a sociedade e o mercado de trabalho sofrem, tem contribuído «(…) para a construção de expectativas de efectiva mobilidade social baseada num sistema de meritocracia, que são posteriormente defraudadas pelas recomposições profundas da estrutura social e do mercado de trabalho e pelos efeitos da recessão. Face aos sinais contraditórios produzidos por estes processos, os jovens adaptam as suas expectativas oscilando, de forma mais ou menos problemática, entre vivências e objectivos laborais de sobrevivência, de trabalho e de “carreira”» (Nico, 2010:5).

Assim, em suma, nesta unidade curricular, foram trabalhados os conceitos de Formação, Trabalho e Justiça Social relacionando-os com diversas visões, sendo assim articulados com histórias e exemplos reais, pelo que foi muito mais perceptível e ajudou bastante a enquadrar a teoria com a prática. Considero a unidade curricular estruturante para o nosso trabalho, já que engloba diversos contextos em que podemos exercer as nossas funções. Remato esta reflexão ressalvando a importância que este processo teve na nossa formação, enquanto profissionais mas sobretudo enquanto pessoas, já que devemos pensar estas questões diariamente, construindo-nos enquanto seres humanos de pleno direito.

 

Referências bibliográficas:

- AAVV (2006) Os Jovens e o Mercado de Trabalho. Caracterização, estrangulamentos à integração efectiva na vida activa e a eficácia das políticas, Colecção Cogitum nº 18, DGEEP, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;

- ALALUF, Mateo & Stroobants, Marcelle (1994) A competência mobiliza o operário?, in Revista Europeia de Formação Profissional, nº 1, pp. 46-55;

- CORREIA, José Alberto (1996). Sociologia da Educação Tecnológica. Lisboa: Universidade Aberta.

- FRASER, Nancy (2003) A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação. Texto da conferência de abertura do colóquio "Globalização: Fatalidade ou Utopia?" (22−23 de Fevereiro de 2002), organizado em Coimbra pelo Centro de Estudos Sociais. Artigo publicado em www.eurozine.com;

- NICO, Magda (2010) A massificação da precariedade juvenil, in Le Monde Diplomatique;

- ZARIFIAN, Philippe (1992) Acquisition et reconnaissance des compétences dans une organisation qualifiante in Revista Education Permanente, nº 112, Paris;