Carla Daniela Ferreira

No início do ano lectivo e no âmbito da unidade curricular de Sistemas de Formação, Trabalho e Justiça Social foi-nos proposto pelo professor que reflectíssemos sobre os conceitos que dão nome à unidade curricular. O conceito de formação foi algo que nos acompanhou durante toda a Licenciatura em Ciências da Educação, o de trabalho foi aparecendo em algumas unidades curriculares mas o conceito de justiça social embora já tenha pensado sobre o assunto, noutros contextos, é a primeira vez que surge como um tema a ser abordado à luz de uma educação formal.

Vou começar esta reflexão por definir, na minha opinião e à luz do que falamos durante o semestre, cada um dos conceitos. Depois irei ler a minha primeira impressão dos mesmos e dar a conhecer aquilo que está de diferente e se destaca de uma reflexão para a outra. Terminarei com uma breve consideração sobre o contributo desta Unidade Curricular para o meu futuro pessoal e profissional.

Quando penso em formação, o meu pensamento dirige-se em direcção a vários sentidos, formação no âmbito de uma educação formal, formação na rede de uma educação informal, formação em contexto não formal. A formação no campo de uma educação formal está claramente ligada e relacionada com o espaço Escola, com todas as aprendizagens em contexto de sala-de-aula. Todos aqueles conhecimentos que moldam e estruturam os currículos nacionais e locais são-nos transmitidos no âmbito de uma formação em contexto escolar. Pensar a formação à luz de uma educação não formal é pensar mais longe, é olhar para a formação como promotora de aprendizagens fora do espaço escolar, é aquela que está longe do sistema de ensino institucionalizado. Os exemplos de uma educação não formal estão bem presentes nas iniciativas organizadas e sistemáticas que visam acrescentar mais conhecimento e experiências ao sujeito envolvido no processo. A formação à luz de uma educação informal é aquela que mais está presente nas nossas vidas, embora a educação formal seja algo obrigatório, pelo menos durante doze anos. Esta acompanha-nos desde pequeninos e diz respeito a toda a aquisição e acumulação de conhecimentos e aprendizagens através das experiências e contactos com o mundo que nos rodeia. Apesar de existirem vários contextos onde a formação pode aparecer, é imprescindível que haja uma consciencialização da mesma e porque a partir do momento em que nos consciencializamos que a formação está presente nas nossas vidas que procuramos com muito mais cuidado o seu sentido e significado. No entanto, ao longo do semestre trabalhamos este conceito como estando directamente ligado ao conceito de trabalho e a verdade é que estes são indossociáveis. No senso-comum reina a ideia de que o trabalho é uma aplicação prática da formação, no entanto podemos falar de “formação no trabalho” e “formação para o trabalho”.  A formação no trabalho é aquela que nos permite especializar numa determinada área de modo a melhorar o nosso desempenho no exercício das nossas funções. A formação para o trabalho é aquela que mais se assemelha à que nós, estudantes desta Licenciatura, temos, uma formação que, num futuro, nos permita exercer uma profissão. Relacionando o que atrás referido sobre a formação e estabelencendo a ligação com o conceito de trabalho podemos afirmar que a educação formal antecede a formação para o trabalho e que todas as aprendizagens no campo da educação informal e não formal se relacionam com a formação no trabalho. 

 

O trabalho é o segundo conceito que a abordar e este, na minha opinião, está intimamente relacionado com a execução de uma dada tarefa da qual podemos, ou não, obter algum tipo de remuneração. Este pode estar directamente ou indirectamente relacionado com a nossa área de formação, pode ser um meio de sobrevivência e por esta mesma razão, podemos estar a desempenhar uma função para a qual estamos muito mais que qualificados ou então pode ser o início de formação. Cada vez se pede mais e mais aos estudantes, cada vez mais o diploma vê o seu valor ser desvalorizado, cada vez mais o trabalho é sinónimo de insegurança, conforto e vitalidade. A forma como os homens e as mulheres olham para o trabalho modificou-se muito ao longo dos últimos anos. Hoje olhamos para o mercado de trabalho e podemos observar diferentes tipos de competências, vemos trabalhos onde a experiência é muito valorizada e vemos trabalhos onde as qualificações têm um papel de destaque. Face a isto, eu pergunto-me: o que é que é melhor? Mais competência ou mais qualificação? O conceito de competência está relacionado com o desempenho de um indivíduo na realização de uma tarefa, tendo por base um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que provam que a pessoa é capaz de realizar eficazmente o seu trabalho, sendo que esta pode readaptar esses mesmos conhecimentos em função de uma maior qualidade. A qualificação consiste na preparação do indivíduo para um futuro profissional, sendo que este aposta num percurso académico que espera que lhe garanta um emprego melhor. É a especialização numa determinada área, aliando a teoria com a experiência prática. Desta forma, podemos observar a influência da formação a todos os níveis no exercício de uma actividade profissional. Sendo assim acho que a existência de experiência não invalida a presença de qualificações. Quanto maior o nível de qualificações e maior a experiência, melhor será o trabalho por nós produzido. Considero que o “saber não ocupa o lugar” e que por isto mesmo devemos olhar para aquilo que a vida nos proporciona como mais um momento de formação, mais um momento de aprendizagem, mais um momento que contribuiu para que tanto ao nível pessoal como ao nível profissional se presenciasse a uma evolução.

A justiça social continua a ser difícil de definir, é um conceito que comporta em si uma grande vertente de subjectividade o que leva a que o seu sentido varia de sujeito para sujeito. Obviamente que aqui a justiça está directamente relacionada com a sociedade. Para mim, é mais fácil pensar este conceito à luz da formação e do trabalho e, por isso, não faz sentido olhá-lo isoladamente. Quando olho para a formação, ocorra ela em que nível ocorrer, todos devem ter acesso às mesmas oportunidades, todas devem beneficiar das mesmas experiências. Mas é óbvio que isto não acontece, existem crianças que desde pequenas que conhecem e visitam o teatro, o cinema, os museus, os livros e há outras em que os seus olhos nunca viu mais do que pobreza, fome e crime. No trabalho assiste-se ao mesmo, desigualdades atrás de desigualdades. As crises económicas e financeiras têm repercussões na estrutura de um país, há que readaptar o mesmo e para isto existem reformulações na política, então porque tem de ser ou não, adia-se a reforma, os postos não se reciclam, não se transformam e os jovens diplomados vêm a sua vida de adulta ser adiada de amanhã em amanhã. A sociedade não quer ver, não se dá ao trabalho de relacionar os factos e as desigualdades aumentam e estes são vistos como irresponsáveis, como alguém que não quer crescer. Mesmo que a vontade exista, não é possível porque a sociedade não avança. A sociedade é um lugar que está repleto de injustiças e aqui “chove” para todo o lado, os guarda-chuvas são inúteis perante tamanha tempestade de problemas. No entanto, e com o contributo desta unidade curricular, consigo perceber que o conceito de justiça social deve ser analisado num paradigma mais macro, deve ser analisado à luz do fenómeno da globalização. Esta trouxe consigo muitos avanços mas também muitos riscos e é preciso encontrar um equilíbrio. Com a globalização, a informação passou a circular à velocidade da luz e hoje podemos constatar que um leigo sabe muito mais que o presidente de um país de ha muitos anos atrás. Fraser (2002) defende que a globalização é a politização generalizada da cultura, especialmente nas lutas pela identidade e diferença” (idem: 2). Assim, o autor propõe uma abordagem que

 

requer que se olhe para a justiça de modo bifocal, usando duas lentes diferentes simultaneamente. Vista por uma das lentes, a justiça é uma questão de distribuição justa; vista pela outra, é uma questão de reconhecimento recíproco. Cada uma das lentes foca um aspecto importante da justiça social, mas nenhuma por si só basta. A compreensão plena só se torna possível quando se sobrepõem as duas lentes. Quando tal acontece, a justiça surge como um conceito que liga duas dimensões do ordenamento social − a dimensão da distribuição e a dimensão do reconhecimento” (idem: 4).

 

Do ponto de vista distributivo, a injustiça surge na forma de desigualdades semelhantes às da classe, baseadas na estrutura económica da sociedade.  Consequentemente, o remédio está na redistribuição, também entendida em sentido lato, abrangendo não só a transferência de rendimentos, mas também a reorganização da divisão do trabalho, a transformação da estrutura da posse da propriedade e a democratização dos processos através dos quais se tomam decisões relativas ao investimento. Do ponto de vista do reconhecimento, por contraste, a injustiça surge na forma associada ao falso reconhecimento, que também deve ser tomado em sentido lato, abarcando a dominação cultural, o não−reconhecimento e o desrespeito. A solução está assim no reconhecimento de forma a abarcar não só as reformas que visam revalorizar as identidades desrespeitadas e as culturas discriminadas, mas também os esforços de reconhecimento e valorização da diversidade. No entanto, é importante ter em atenção que quer o princípio da redistribuição, quer o de reconhecimento devem ter uma relação harmoniosa e não se sobrepor um ao outro. Assim, esta abordagem permite contrariar o risco de substituição no contexto da globalização (Fraser, 2002). Procura-se, desta forma, uma participação activa e igualitária de todos os membros da sociedade global. Independentemente da raça ou etnia a que pertença cada ser humano tem um contributo único a dar e devem ser valorizados por isso, e não por ter uma determinada cor ou adorar um Deus diferente. Assim, “

 

as deliberações acerca da institucionalização da justiça devem ter o cuidado de colocar as questões no plano adequado, determinando quais os assuntos que são verdadeiramente nacionais, locais, regionais ou globais. Elas têm de delimitar vários contextos de participação de forma a distinguir os conjuntos de participantes com direito a paridade dentro de cada uma delas” (idem: 10).

 

Ao ler a minha reflexão individual inicial reparo que algum coisa mudou, principalmente no conceito de justiça social.  Na formação, consigo, agora, perceber melhor a sua relação com o trabalho. No trabalho a história já não é a mesma, hoje já consigo introduzir algumas das aprendizagens teóricas desta unidade curricular, já consigo ver mais além, consigo pensar no trabalho de diferentes formas, nomeadamente o conceito de qualificação e competência. Ao trabalhar sobre a justiça social sinto que algo mudou e muito por influência das últimas actividades que desenvolvemos em que o meu grupo trabalhou as questões da massificação da precariedade juvenil e da influência da globalização.

O grande contributo desta unidade curricular passa pela consciencialização da interdependência destes três conceitos, formação, trabalho e justiça social. A formação constitui o primeiro passo de uma vida, esta seja em que contexto for, conduz-nos e prepara-nos para o trabalho e neste apercebemo-nos da forma como o conceito de justiça está ou não presente sociedade que nos rodeia seja a nível local, seja a nível global. 

 

Referência bibliográfica:

FRASER, Nancy (2003) A justiça social na globalização: Redistribuição, reconhecimento e participação. Texto da conferência de abertura do colóquio "Globalização: Fatalidade ou Utopia?" (22−23 de Fevereiro de 2002), organizado em Coimbra pelo Centro de Estudos Sociais. Artigo publicado em www.eurozine.com;